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Haiti: Passado, Presente e...

Haiti, Port-au-Prince

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti


A história moderna do Haiti começou em 1492, com a chegada de Cristóvão Colombo. Antes de retornar à Europa, ele fundou na costa norte do futuro país a vila La Navidad, a primeira tentativa de povoamento europeu no Novo Mundo. Apesar do nome tão pacífico, seus habitantes não o eram, matando e escravizando os indígenas e violentando suas mulheres. Os mesmos indígenas que haviam recebido tão amistosamente os exploradores europeus. Um dos principais líderes dos Tainos, os índios que habitavam a ilha, era uma jovem, formosa e inteligente mulher, chamada Anacaona. Uma “cacica”, cuja admiração inicial pelos espanhóis logo deu lugar ao ódio, ao perceber como seu povo era tratado pelos invasores. Anacaona organizou um exército que exterminou os espanhóis de La Navidad, pensando ter-se livrado da ameaça. Doce ilusão! Eles não pararam mais de chegar e a resistência indígena foi se enfraquecendo frente à superioridade militar dos europeus. Por fim, o governador da ilha, após pedir um encontro pacífico com os líderes indígenas, os matou quase a todos em uma emboscada. Anacaona escapou, mas acabou capturada após três meses de buscas. Seus companheiros foram todos condenados à morte, mas ela teve a escolha de sobreviver, se aceitasse tornar-se uma concubina de um dignitário espanhol. Preferiu a honra e seus companheiros e foi enforcada em praça pública.

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti


Duas gerações mais tarde, os Tainos estavam extintos e eram substituídos por negros africanos. Por algum tempo, os dois povos coexistiram, o suficiente para que os africanos herdassem dos Tainos parte de sua cultura e linguagem. Aparentemente, herdaram também o sofrimento que os índios passaram, pois nos próximos séculos, seriam eles as maiores vítimas da história da ilha. Já os espanhóis, mais interessados em Cuba e no México, abandonaram a parte ocidental da ilha de Hispaniola, o futuro Haiti, e ela foi prontamente ocupada por colonizadores franceses. As fazendas começaram produzindo, cacau, tabaco e algodão, mas foi a chegada do açúcar e café que trouxe riqueza à colônia, rapidamente transformando-a na mais rica de todo o Caribe. Pouco antes da Revolução Francesa, 40% do açúcar e 60% do café consumidos na Europa eram produzidos no Haiti. A produção dessa única colônia superava a soma da produção de todas as colônias inglesas nas Antilhas.

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti


É claro que toda essa riqueza, produzida por mão de obra escrava, era dividida apenas entre os colonizadores brancos e a nascente classe de mestiços, ou “gens de couleur”, em francês. Eram cerca de 700 mil escravos contra 30 mil pessoas livres, entre brancos e mestiços (filhos de senhores de escravos com suas concubinas negras). As condições de vida dos escravos do Haiti estavam entre as mais duras do Caribe e seu alto número só podia ser mantido por um enorme fluxo de novos escravos vindos da África. Nessa época, o Haiti era o destino de cerca de um terço dos escravos saídos da África. Na ilha, a vida era dura e curta, mal dando tempo para uma “produção local”. A consequência disso é que a população negra da ilha ainda tinha fortes raízes africanas, pois quase todos tinham nascido naquele continente. Por isso, a religião conhecida como “vudu”, uma espécie de mistura de ritos católicos com crenças africanas, se manteve forte na ilha.

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti


Para controlar uma população vinte vezes mais numerosa, os senhores de escravos eram extremamente violentos, e castigos como a morte no caldeirão de água fervente ou jogar um negro ferido e amarrado sobre insetos famintos eram uma prática comum. A Revolução Francesa e os ideais de igualdade vieram romper o frágil e tenso equilíbrio que existia nessa sociedade e uma revolta sangrenta se seguiu. Por fim, Robespierre aboliu a escravidão em suas colônias e os negros haitianos até mesmo auxiliaram o exército francês contra invasões espanholas e inglesas. Mas veio Napoleão e tudo mudou. O novo monarca tentou reinstituir a escravidão, mas ninguém voltaria a ser escravo sem uma boa luta.

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti

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Na verdade, a luta foi umas das mais sangrentas e bárbaras em toda a história do continente, atrocidades cometidas de lado à lado. Por fim, com a ajuda de surtos de malária e febre amarela que dizimaram o exército de Napoleão, os franceses foram expulsos e o Haiti tornou-se a segunda nação livre do continente, depois dos Estados Unidos, em 1804. Mas, triste ironia, os Estados Unidos não reconheceram a nova nação, já que um país governado por negros livres era uma ameaça aos escravagistas que ainda imperavam nos estados do sul dos EUA. Foi apenas durante a Guerra Civil Americana, sessenta anos mais tarde, que os Estados Unidos reconheceram o governo do Haiti. Infelizmente, o problema não foi apenas com os Estados Unidos, mas também com os países europeus, também preocupados com o simbolismo da nova nação. França e Inglaterra se uniram para bloquear qualquer tipo de comércio com o Haiti, até que esse aceitasse pagar indenizações à antiga metrópole, para compensar sua perda de “patrimônio”, em terras e escravos.

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti


Vinte anos após sua independência, asfixiado economicamente, o Haiti cedeu negociou o pagamento de uma indenização. Para poder pagar, contraiu enormes empréstimos, comprometendo por décadas seu desenvolvimento econômico. Aqui, é triste lembrar, mas até mesmo as novas nações que foram surgindo nas Américas boicotaram o Haiti. Suas elites governantes também temiam o país governado por negros. Por isso, o segundo mais antigo país livre do continente permaneceu, por quase um século, isolado de seus próprios vizinhos.

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti


Bom, nem toda a culpa de seus problemas vinham do exterior. Por quase um século, o país foi governado por ditadores sangrentos, corruptos e ineficientes, numa sucessão interminável de golpes de estado. Quando finalmente houve um período de estabilidade política e econômica, no final do século XIX, o Haiti até se tornou um exemplo de desenvolvimento econômico para países da América Latina. Também a área cultural, literatura e pintura, atraiam a atenção de seus pares pelo mundo afora. Infelizmente, esse período foi a exceção. O início do século XX trouxe nova sequência de golpes, instabilidade política e econômica e até mesmo uma ocupação americana, entre 1915 e 1934. Entre erros e acertos, os americanos criaram o sistema de estradas do país e uma polícia nacional. Quando finalmente deixaram o Haiti, a alegria não durou muito: novos golpes e ditaduras se seguiram. Até que, em 1956, chegou ao poder François Duvalier.

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti

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Mais conhecido como “Papa Doc”, o até então pacato médico se transformou em um dos mais sanguinários e terríveis ditadores que esse continente já conheceu (e olha que não foram poucos...). Ele governou com mão-de-ferro por 15 anos, contando com a ajuda da polícia secreta, uma verdadeira milícia armada de bandidos conhecida como Tonton Macoutes, o nome dado ao “bicho-papão” na religião vudu. Agindo com total impunidade, matavam adversários políticos e oposicionistas, praticavam extorsão contra empresários, torturavam e violentavam.

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti

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Com um “apoio” desse, Papa Doc não foi desafiado até a sua morte, em 71. O poder foi herdado pelo seu filho de apenas 19 anos, Baby Doc, uma versão mais branda de seu pai. Ele manteve o poder também por 15 anos quando, em uma grave crise econômica e sob grande pressão internacional, deixou o país. Ele se foi, mais milionário do que nunca. Mas o país estava em frangalhos. O Haiti tinha chegado ao fundo do poço? Não, nada está tão ruim que não possa ser piorado... Nova sequência de juntas militares, governos corruptos e instabilidade política levaram o país ao caos econômico e social, com as forças policiais não conseguindo mais manter a ordem nas ruas. Foi pedida a intervenção da ONU.

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti

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Os primeiros contingentes das Nações Unidas chegaram há dez anos, capitaneados por forças brasileiras. Inicialmente, eram forças de manutenção da ordem, mas depois as funções se ampliaram para obras de infraestrutura e saúde. Houve enfrentamentos armados, principalmente na “pacificação” de Cite Soleil, a maior e mais perigosa favela de Port-au-Prince, tarefa dos soldados brasileiros (estavam “treinando” para o Complexo do Alemão...). A ordem começou a voltar ao país e a esperança reapareceu. Mas ainda não era a hora. Pelo menos, não para a mãe-natureza. Em 2010, o mais mortífero terremoto dos últimos séculos atingiu em cheio a capital, matando mais de 200 mil pessoas e jogando o país em uma crise humanitária sem precedentes. Com ajuda das forças da ONU estacionadas no país e de doações internacionais o país, mais uma vez, começou a se levantar. Será que agora vai?

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti

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Em meados de 2011 assumiu o último presidente eleito, um popular músico conhecido como “Sweet Micky”. Dois anos depois de sua posse, pelo que pudemos notar, o governo é bem popular. Aparentemente, Micky está jogando todas as suas forças na educação e nós somos testemunhas da enorme quantidade de crianças nas ruas indo e voltando uniformizadas de suas escolas. É uma visão alentadora! Nessa viagem, acho que nunca tínhamos visto tantas crianças indo estudar. Além disso, pelo menos nas conversas que tivemos por aqui, conhecemos vários haitianos que estão regressando do exterior para ajudar a reconstruir a economia do país. Foi gente que saiu na época dos anos de chumbo de Duvalier e que venceram na vida em outros países. Agora, sentem que é a hora de voltar. Há um sentimento no ar que as coisas vão melhorar.

Dirigindo pelas ruas de Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti

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Será que vão mesmo? Olhando a história do país, é difícil acreditar. Mas, pensando bem, a história não precisa se repetir! A efervescência cultural que vemos nas ruas, a quantidade de arte produzida e vendida nas esquinas, as crianças indo para as escolas, os haitianos que voltam da diáspora trazendo na bagagem a experiência de ter vivido e vencido em outros países e culturas, a presença de um sem-número de ONGs que estão aqui para ajudar e cooperar, tudo isso pode se somar para criar um círculo virtuoso de crescimento em uma terra tão cheia de oportunidades e com um “material humano” tão rico. Pode ser inocência ou empolgação nossa, na linha de frente de um turismo que começa a renascer no país, mas achamos, sinceramente, que agora vai. Viva o Haiti!

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Haiti, Port-au-Prince, história

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