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Aconcágua 99: A Dura Subida e o Susto na Descida

Argentina, Aconcágua

Com o Haroldo, extenuados, no cume do Aconcágua, a montanha mais alta das Américas, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

Com o Haroldo, extenuados, no cume do Aconcágua, a montanha mais alta das Américas, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


Nós não subimos o Aconcágua durante os 1000dias. Esse post conta a história de minha outra viagem para cá, no final de 1998, início de 1999. Como não tivemos tempo de tentar subir a montanha dessa vez, achei interessante contar como foi chegar ao ponto mais alto das Américas, mesmo que tendo sido em outra viagem. A história está em duas partes e esta é a segunda delas, com fotos da época. Meu companheiro daquela vez foi o Haroldo, um primo que também esteve conosco em diversas oportunidades durante os 1000dias. A última, quando subimos o vulcão Villarrica, conforme relatado nesse post

Estava tudo pronto para nossa tentativa de subir o Aconcágua. Eu e meu primo estávamos razoavelmente aclimatados, pelo menos até os 5.500 metros de altitude, tínhamos descansado um dia e meio no conforto do hotel-refúgio em Plaza de Mulas, as condições meteorológicas prometiam ser boas para os próximos dois dias e nossa barraca estava armada e nos esperando em Nido de Condores, 1.200 metros acima de onde estávamos e quase a meio caminho do cume da montanha. Aliás, essa era a nossa única dúvida: estaria mesmo a barraca armada? Nós a tínhamos deixado assim, arrumada, mas uma noite de ventos fortes nos enchia de preocupações. O único alívio nesse sentido é que um amigo que havia ficado em Nido tinha nos prometido que tomaria conta dela. Mas agora, depois da ventania, precisávamos ver com os próprios olhos.

A luz de fim de tarde ilumina a face noroeste do Aconcágua entre nuvens, visto a partir dos 5 mil metros de altitude do Pico do Bonete, em frente à montanha, na região de Mendoza, oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

A luz de fim de tarde ilumina a face noroeste do Aconcágua entre nuvens, visto a partir dos 5 mil metros de altitude do Pico do Bonete, em frente à montanha, na região de Mendoza, oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


Se não houvesse essa questão, talvez até ficássemos mais um dia em Plaza de Mulas, para descansar ainda mais um pouco e só no dia seguinte arremeter para o pico. Mas a dúvida da barraca não nos dava outra possibilidade. Então, já vestindo nossas botas duplas, enfrentamos novamente o ziguezague infinito da trilha que sobe a encosta entre os dois acampamentos, Plaza de Mulas e Nido de Condores. Dessa vez, não tínhamos o peso da carga e já estávamos muito melhor aclimatados do que na subida anterior, quando levamos a barraca. Em compensação, as botas duplas nos atrasavam. De qualquer maneira, melhor leva-las nos pés do que nas costas. Além disso, seria mais um treino para nos acostumar a elas, já que no ataque ao cume, fatalmente teríamos de usá-las.

Trilha, pontos de parada e altitudes no caminho entre Plaza de Mulas e o cume do Aconcágua, na Argentina. Nós atacamos o cume desde Nido de Condores

Trilha, pontos de parada e altitudes no caminho entre Plaza de Mulas e o cume do Aconcágua, na Argentina. Nós atacamos o cume desde Nido de Condores


Mesmo com as botas, subimos com muito mais velocidade e facilidade a temida encosta. Sinal que nossa aclimatização estava mesmo funcionando! Eu cheguei antes do Haroldo desta vez e encontrei a barraca no chão, deitada. Nosso amigo tinha achado melhor fazer isso com ela e colocou várias pedras em cima, para ancorá-la contra o vento. Muita umidade e até pequenas poças haviam se formado acima dela e eu temia sobre o que teria acontecido com nosso material que havia ficado dentro dela. Mas para checar isso, tive de esperar o Haroldo, que trazia consigo as chaves do cadeado. Quando ele chegou, eu já havia secado a barraca e a trocado de lugar, mas foi só mesmo quando ele usou as chaves para abrir a barraca e pudemos verificar que ainda estava tudo seco lá dentro que nos sentimos aliviados. Tratamos então de botá-la de pé novamente e de derreter neve para fazer nosso jantar. O Haroldo ainda defendia a tese de que deveríamos passar o dia seguinte inteiro por lá, para nos aclimatarmos mais um pouco, mas o estímulo de nossos vizinhos de barraca e da noite serena ajudou-o a mudar de ideia. Se conseguíssemos dormir, o ataque seria mesmo no dia seguinte!

Caminhando pelo acampamento de Plaza de Mulas, aos 4.300 metros de altitude, aos pés do Aconcágua, oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

Caminhando pelo acampamento de Plaza de Mulas, aos 4.300 metros de altitude, aos pés do Aconcágua, oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


Nós realmente dormimos bem, pelo menos enquanto havia silêncio. Mesmo com o frio abaixo dos 20 graus negativos, nossas roupas e sacos de dormir deram conta do recado. A respiração também parecia adaptada ao pouco oxigênio e não passamos por aquela experiência de ficar acordando arfantes a cada meia hora. Só que, um pouco depois da meia noite, o barulho e excitação dos vizinhos que já se preparavam para partir atrapalhou nosso descanso. Quando eles se foram, dormimos novamente, mas só até sermos acordados pelos gritos excitados do nosso amigo Augusto, um colombiano que fazia 40 anos exatamente naquele dia. Ele também estava partindo para o cume e nos estimulava a fazer o mesmo, a lua quase cheia iluminando o caminho numa noite fria, mas sem vento. Nosso plano era sair às 3 da manhã, pois queríamos estar no cume antes do meio-dia. As pessoas costumam fazer esse trecho de Nido ao cume entre 9 e 12 horas e nós estávamos calculando o nosso tempo por volta de 8 horas. Assim, teríamos ainda uma hora de margem para chegar ao cume antes da metade do dia, quando o tempo costuma fechar na região. Naquele momento, eram 15 para as três, ou seja, estava mesmo na hora de nos arrumar e partir. Agora, não tinha mais volta!

A longa subida entre Plaza de Mulas (4.300 m) e Nido de Condores (5.500 m), a caminho do cume do Aconcágua, a maior montanha das Américas, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

A longa subida entre Plaza de Mulas (4.300 m) e Nido de Condores (5.500 m), a caminho do cume do Aconcágua, a maior montanha das Américas, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


Partimos mesmo às três da manhã e era possível ver uma fileira de lanternas subindo a encosta da montanha que leva de Nido de Condores a Berlin, o próximo acampamento, 400 metros mais alto que onde estávamos. Queria muito já ter ido até lá, antes, durante o processo de aclimatização, mas não tivemos essa chance. É sempre mais fácil caminhar por território já conhecido. Meia hora depois de partirmos, neve e gelo já eram comuns na trilha. Resolvemos parar para colocar os grampões. Já vestíamos também nossas três camadas de roupas, a primeira vez desde que chegamos ao Aconcágua. Três calças, três blusas, três luvas, duas meias, gorro e capuz. Além disso, uns sacos plásticos com um pó químico que produz calor por 8 horas depois de aberto. Eles iam entre duas camadas de luvas e dos pares de meia. Os dedos dos pés e das mãos são as primeiras partes do corpo a congelarem e essa fonte extra de calor bem nessas regiões foi trazida pelos meus pais, que voltavam de viagem aos EUA. Por lá, é muito comum entre esquiadores. Por aqui, foi uma super ajuda que tivemos!

Fim de tarde no acampamento de Nido de Condores, acima dos 5.500 metros de altitude, um dos pontos de ataque ao cume do Aconcágua, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

Fim de tarde no acampamento de Nido de Condores, acima dos 5.500 metros de altitude, um dos pontos de ataque ao cume do Aconcágua, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


O céu começou a clarear quando passávamos por Berlin. De volta aos 6 mil metros de altitude, foi uma grande emoção e conquista. Quinze meses antes, eu tinha chegado a 6.200 metros de altura no Nepal, subindo o Island Peak. Meu recorde até então. Mas lá, o tempo de aclimatação havia sido muito mais longo, caminhando até a base do Everest. Enfim, acima disso, estava entrando em território desconhecido. Eu e o Haroldo vínhamos acelerados, ultrapassando as outras pessoas que seguiam para o cume. Já sem a fileira de lanternas à nossa frente para nos guiar, até perdemos um certo tempo depois de Berlin, procurando o caminho. Mas acabamos por nos encontrar e aceleramos novamente. Foi quando os problemas de verdade começaram...

Aproximando-se do cume do Aconcágua, a maior montanha do continente, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

Aproximando-se do cume do Aconcágua, a maior montanha do continente, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


Sem sentir cansaço, dor de cabeça ou náusea, de repente, minhas energias terminaram. Acho que a pressão baixou e tudo o que eu queria era deitar e descansar. Obviamente, o Haroldo se assustou e decretou que deveríamos voltar imediatamente. Como eu não estava sentindo nenhum outro sintoma do mal de altitude, finquei o pé e respondi que queria apenas sentar e descansar, dar um tempo para ver se melhorava. Um guia que passava levando seu grupo por ali nos aconselhou a fazer exatamente isso, para minha alegria e tristeza do Haroldo. Aproveitei o descanso para me encher de chocolate e mandar energia para dentro. Dez minutos mais tarde, retomamos a marcha, o Haroldo ainda muito preocupado. Novamente, ele insistiu para que descêssemos. Dizia que eu estava me comportando estranhamente, de maneira quase errática. Eu quis seguir em frente e foi só quando começamos a ultrapassar as pessoas novamente que ele ganhou confiança de novo. A esta altura, o sol começava a raiar atrás do Aconcágua que projetava sua sombra sobre nuvens mais baixas por centenas de quilômetros. Ainda inebriado e assistindo este que foi um dos maiores espetáculos da minha vida, eu me emocionei. Que cena mais magnífica, naquela altitude e com a atmosfera limpíssima, foi a sombra mais comprida que já vi. Acho que chegava até o Oceano Pacífico!

Com o Haroldo, extenuados, no cume do Aconcágua, a montanha mais alta das Américas, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

Com o Haroldo, extenuados, no cume do Aconcágua, a montanha mais alta das Américas, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


Passávamos agora por Independencia, um pequeno refúgio a 6.350 metros de altitude, o mais alto do mundo. É quase como se fosse uma casinha de cachorro, mas sem telhado. Atualmente, serve apenas para emergências, mas foi construído por uma expedição alemã que perdeu aí um companheiro. A última construção humana antes do pico, ainda 600 metros acima de nós. O dia já clareava e a luz facilita muito a caminhada. Chegou bem a tempo de passarmos a temida “Canaleta”, o lugar mais perigoso da rota normal. Precisamos cruzar uma encosta coberta de gelo e neve e muito exposta ao vento. É aí que os grampões são mais necessários. Um passo em falso, um escorregão, e vamos deslizar por centenas de metros montanha abaixo. Eu me concentrei, foquei e segui em frente, sem olhar para baixo ou para os lados. Um passo de cada vez, pisando bem firme e fincando meus grampões firmemente no gelo. Cinco minutos de sufoco e estava do lado de lá, aliviado. O Haroldo ficou mais tempo por lá, buscando coragem e concentração. Acabou vindo também, mas já tinha ficado para trás.

Felizes e vitoriosos, aos 6.962 metros de altitude, no cume do Aconcágua, a mais alta montanha do hemisfério, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

Felizes e vitoriosos, aos 6.962 metros de altitude, no cume do Aconcágua, a mais alta montanha do hemisfério, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


Agora, só me restava vencer a “canaleta”, uma longa encosta formada por pedra e areia bem solta. Dois passos para frente, um passo escorregado para trás. Um inferno, principalmente naquela altitude onde qualquer passo é um grande esforço. Mentalmente, eu me esforçava ao máximo. Tentava dar dez passos sem parar e aí, tempo para respirar. Parece até piada e deve ser difícil de entender para quem nunca caminhou nessas alturas. Mas é assim mesmo, dez passos me levavam à exaustão, o coração acelerado na garganta. Apesar do enorme esforço físico, é o esforço mental o maior de todos. Fui subindo e subindo, os meus dez passos mais eficientes que os “dez passos” dos outros. Continuei passando as pessoas até que, pouco depois das 11 da manhã, cheguei ao cume. O terceiro a chegar lá naquele dia. Naquele momento, éramos as pessoas mais altas do planeta, já que Janeiro não é um mês de escaladas na Ásia, onde estão as únicas montanhas mais altas que o Aconcágua.

Vista do imponente cume sul do Aconcágua, um pouco mais baixo que seu cume norte, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

Vista do imponente cume sul do Aconcágua, um pouco mais baixo que seu cume norte, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


A emoção de lá chegar, depois de tantos sustos e esforços, foi incontrolável. Logo estava em lágrimas. Toda a América sob meus pés! Um horizonte quase infinito para onde quer que se olhe. Centenas de picos nevados de montanhas, todos abaixo de nós. Vinte minutos mais tarde chegava o Haroldo, muito emocionado também. Naquelas altitudes, 20 minutos significam algo entre 100 e 200 metros. Somos realmente tartarugas nesse trecho final. Tiramos nossas fotos, filmamos e celebramos muito. A cada pessoa que chegava, era mais uma choradeira. Ninguém se contem numa hora dessas. Eu tinha até carregado uma garrafa de vinho lá para cima para celebrar, mas achamos melhor deixar para abri-la lá embaixo. Já estávamos inebriados o bastante.

Ficamos cerca de uma hora e meia no cume, enquanto outras poucas pessoas chegavam e partiam. Chegou a nossa vez, a uma da tarde. O Haroldo saiu antes e eu ainda fiquei admirando o cume da parede sul da montanha, a rota mais difícil de se chegar até aqui. Depois, pé na tábua para alcançar o Haroldo. Estávamos os dois muito cansados e lentos, eu mais do que ele. Quando chegamos à Travessia, vimos as barracas de Nido lá embaixo. Tivemos a brilhante ideia de cortar caminho pelo “Gran Carrero”, uma enorme descida de areia e pedras soltas que seguia diretamente para lá. Com isso, evitaríamos o perigo da Travessia e conheceríamos um novo caminho. Mesmo já tendo sido avisados antes que essa era uma péssima escolha, ignoramos o bom senso. Na verdade, naquela altura, nosso “bom senso” estava funcionado de uma maneira diferente. Bastaram alguns minutos descendo o tal Gran Carrero para perceber a burrada. De longe, parecia um caminho tranquilo. De perto, a verdade: uma mistura de gelo e rocha interminável, os grampões ajudando aqui e sendo um estorvo ali. Progredíamos muito lentamente. E ainda tínhamos de nos desviar de obstáculos como grandes rochas, valas e pequenos morrotes. Num desses desvios, cada um tentando achar o melhor caminho, acabamos por nos separar.

Após chegarmos ao cume do Aconcágua, celebração com vinho com nosso amigo colombiano Augusto, que fazia 40 anos, no refúgio em Plaza de Mulas, aos pés da montanha, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

Após chegarmos ao cume do Aconcágua, celebração com vinho com nosso amigo colombiano Augusto, que fazia 40 anos, no refúgio em Plaza de Mulas, aos pés da montanha, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


Pois é, com o cérebro trabalhando com um décimo da capacidade, tanto pelo cansaço como pela falta de oxigênio, mesmo estando em uma paisagem completamente aberta onde se pode ver centenas de metros em cada direção, acabamos nos perdendo um do outro. Eu achava que o Haroldo estava mais à frente e fui baixando, baixando. Ele achava que eu tinha me perdido e ficou por lá me procurando e, mais tarde, resolveu subir para pedir ajuda. Quando eu cheguei na barraca, já perto das 19 horas, descobri que ele não estava lá. E ele, depois de não conseguir pedir ajuda, achou melhor descer, mas a essa altura o tempo tinha fechado, uma névoa cobrindo tudo, ele perdeu seu senso de direção e caminhou na direção errada. Lá embaixo, preocupadíssimo, procuro notícias pelo rádio do guarda-parque. Sou informado que um brasileiro com a descrição do Haroldo havia se acidentado, mas que estava bem em Berlin. Desceria no dia seguinte. Não era o Haroldo. Agora, já no escuro, pouco abaixo dos 5 mil metros e sem nenhum lugar para se proteger, ele buscava sobreviver na noite gelada de 20 graus negativos. Muito vento, água congelada em seu cantil. Quando conseguia dormir um pouco, vozes o faziam acordar e se movimentar. Que vozes? Ele não sabe dizer, mas melhor seguir o conselho delas...

Despedida do simpático staff do refúgio em Plaza de Mulas, o hotel mais alto do mundo, aos pés do Aconcágua, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

Despedida do simpático staff do refúgio em Plaza de Mulas, o hotel mais alto do mundo, aos pés do Aconcágua, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


No dia seguinte cedo, nada do Haroldo aparecer. Voltei a falar com os guarda-parques e percebi que a pessoa acidentada na véspera não era o Haroldo. Não havia notícia dele. Disparei montanha acima novamente, rumo a Berlin. Devo ter feito em metade do tempo do dia anterior. Lá, ninguém sabia do Haroldo. Achei alguém com rádio, mas sem pilhas. Estava quase subindo mais para entrar no Gran Carrero lá em cima e voltar por lá, procurando meu primo. Um pouco antes disso, achei alguém com pilhas, mas sem rádio. Aí, foi só juntar as pessoas para conseguir fazer o rádio funcionar. Falamos com o guarda-parque lá e Plaza de Mulas. O Haroldo tinha acabado de passar por lá, cinco minutos antes. Quando o dia clareou, ele conseguiu se orientar novamente e veio descendo. Quando finalmente chegou ao fim do Gran Carrero, estava um pouco abaixo de Cambio Pendiente. Não teria forças para subir de volta até Nido. Achou melhor continuar descendo e seguir até Plaza de Mulas, onde foi falar com os guarda-parques e médicos. Tinha tido princípio de congelamento em vários dedos, mas nada que fosse irreversível. Foi com grande emoção que ouvimos nossas vozes, eu ainda em Berlin e ele já no hotel-refúgio, meia hora mais tarde. Até uma hora antes, nós dois temíamos pela vida do outro.

Início da caminhada de volta, de Plaza de Mulas para a entrada do parque Aconcágua, região de Mendoza, oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

Início da caminhada de volta, de Plaza de Mulas para a entrada do parque Aconcágua, região de Mendoza, oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


Com grande alívio, desci de volta a Nido e desarmei a barraca. Tentei levar tudo para baixo, empacotado nas nossas duas mochilas. Impossível! Passando por Cambio Pendiente, deixei uma das mochilas com uns sul-africanos, com a promessa de buscá-la no dia seguinte. Voltei até o hotel para reencontrar o primo perdido, mas nem pensamos em armar a barraca. Depois de uma história dessas, pagaríamos, de bom grado, mais uma noite no hotel. A noite foi de grande celebração. Tínhamos feito o pico e, entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Nosso amigo colombiano tinha sido o último a chegar lá, já no fim de tarde, quando o tempo havia aberto novamente. Passou seus 40 anos no cume do Aconcágua. Que privilégio! Compartiu conosco a garrafa de vinho que tinha ido passear no teto da América e voltado intocada. Restava apenas buscar a mochila no alto daquela enorme encosta. O Haroldo estava querendo pagar 100 dólares para alguém fazer isso, mas eu me ofereci e insisti. Assim, no dia seguinte, mais uma e pela última vez, subi aquela encosta. Mais aclimatado do que nunca, fiz isso quase voando. Recuperei a mochila e voltei para nossa última tarde e noite no hotel refúgio.

Uma merecida cerveja gelada em Puente del Inca, após vários dias escalando o Aconcágua, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)

Uma merecida cerveja gelada em Puente del Inca, após vários dias escalando o Aconcágua, no oeste da Argentina (temporada de 1998/99)


No dia seguinte, dia 9 de Janeiro, fizemos a longa caminhada de volta, de Plaza de Mulas à Puente del Inca, sem parar em Confluencia. Para o Haroldo, o sacrifício foi maior, pois seus dedos estavam todos negros pelo quase congelamento, várias unhas para cair. Para baixo, dispensamos ajuda da mula e carregamos todo o peso. Chegando a Puente, uma merecida cerveja gelada. Depois, um banho quente nas águas termais embaixo da Puente del Inca. Hoje, infelizmente, esses banhos estão interditados. Mas naquela época, apesar de não serem um primor de limpeza, era uma delícia. Principalmente para relaxar os músculos após tanto esforço nos dias anteriores. Foi o final feliz de uma história que, por pouco, não terminou muito mal. Chegamos juntos ao topo da Américas e voltamos vivos e com muitas histórias para contar. O grande susto foi só o tempero, uma emoção a mais para prender a atenção dos expectadores. Uma experiência inesquecível e um aprendizado para toda a vida. Mais do que nunca, e agora por experiência própria, vamos acreditar naquele clichê de que “chegar ao cume de uma montanha é apenas metade do caminho”! Todo clichê tem sua razão de ser, ou não teria se tornado um clichê!

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A luz de fim de tarde ilumina a face noroeste do Aconcágua entre nuvens, visto a partir dos 5 mil metros de altitude do Pico do Bonete, em frente à montanha, na região de Mendoza, oeste da Argentina (temporada de 1998/99)
1000dias em Plaza Francia, em frente à mítica parede sul do Aconcágua, a 4.300 metros de altitude (Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina)
Reencontro com o imponente Aconcágua, a mais alta montanha do continente, na região de Mendoza, a oeste da Argentina
Com a Bebel, na piscina do hotel em Fortim, no litoral cearense
Chegando a Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Com os sobrinhos Antonio e Bebel no Beach Park, em Fortaleza, capital do Ceará
Toda a família, entre filhos, netos, genros e noras, reunidos na cama dos patriarcas, em Fortim, no litoral do Ceará
Jangada preparada para sair ao mar no Pontal do Maceió, em Fortim, no litoral do Ceará
Com o Pablo e a Andrea, na praça central de Rengo, ao sul de Santiago, no Chile
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