0 Mamirauá, Uacari e o Grande Herói - Blog do Rodrigo - 1000 dias

Mamirauá, Uacari e o Grande Herói - Blog do Rodrigo - 1000 dias

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Mamirauá, Uacari e o Grande Herói

Brasil, Amazonas, Mamirauá

Nosso último e magnífico nascer-do-sol na Reserva do Mamirauá, região de Tefé, no Amazonas

Nosso último e magnífico nascer-do-sol na Reserva do Mamirauá, região de Tefé, no Amazonas


Desde que lemos o relato de um amigo sobre sua viagem ao Mamirauá, há alguns anos, esse lugar passou a fazer parte do roteiro da expedição 1000dias. Agora, mais de três anos depois e de muita ansiedade e vontade, chegou a hora de vermos com os próprios olhos e conhecermos a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Mamirauá, exemplo para tantas outras reservas de preservação espalhadas pelo Brasil e uma verdadeira inspiração para quem conhece seus rios e lagos, sua flora e fauna, seu ecossistema único e, principalmente, a história da sua criação e de seu idealizador, criador e primeiro diretor, José Márcio Ayres.

Encontro com macacos na Reserva do Mamirauá, na região de Tefé, no Amazonas

Encontro com macacos na Reserva do Mamirauá, na região de Tefé, no Amazonas


Aos seis anos de idade, em uma fazenda do Pará, José Ayres viu pela primeira vez um macaco vivendo livre na natureza. Desde então, decidiu que seria um “estudioso dos macacos”. O que os adultos pensavam ser uma mania de criança acabou mesmo virando um trabalho muito sério de adulto. José Ayres se formou em Ciências Biológicas na USP de Ribeirão Preto, em 1976, com interesse na área de primatologia. Um de seus primeiros empregos: diretor do pequeno zoológico da cidade. Foi nesse cargo que ele viajou à Europa para visitar outros zoológicos. E em Colònia, na Alemanha, teve o encontro que mudaria a sua vida. Foi lá que viu, pela primeira vez, um Uacari, ou “english monkey”, como é conhecido por lá. A razão do apelido vem do corpo coberto de pelos brancos, mas com o rosto pelado, bem vermelho, muito semelhante a um inglês depois de ter tomado alguns copos de gim.

Pintura do macaco Uacari, símbolo da Reserva do Mamirauá, na região de Tefé, no Amazonas

Pintura do macaco Uacari, símbolo da Reserva do Mamirauá, na região de Tefé, no Amazonas


José Ayres ficou inconformado que ele, um primatólogo brasileiro, fosse conhecer esse macaco que vive na Amazônia brasileira em um zoológico europeu! Decidiu que seu doutorado, a ser realizado em Cambridge, na Inglaterra, seria sobre esse magnífico animal. E foi assim que, em suas pesquisas de campo, ele acabou chegando à região do Mamirauá, local onde vivem os Uacaris. Meses de estudo o fizeram se apaixonar por essa região e perceber que se ela não fosse protegida, esses macacos e muitas outras espécies seriam, em breve, extintos.

Revoada de pássaros na Reserva do Mamirauá, região de Tefé, no Amazonas

Revoada de pássaros na Reserva do Mamirauá, região de Tefé, no Amazonas


Na época, final dos anos 80, a solução para essa questão seria a criação de um Parque Nacional. Mas havia um problema: havia milhares de moradores na região e a criação de um Parque Nacional preconizava a saída desses moradores da área. Não era o que queria ou imaginava José Ayres. Ao contrário, ele contava com a ajuda desses moradores para a preservação da flora, fauna e ecossistema onde moravam. Ele imaginava um novo modelo de preservação, onde homens e natureza convivessem de forma sustentável. Dessa ideia e de sua luta em implantá-la nasceu um novo tipo de entidade, a chamada Reserva de Desenvolvimento Sustentável, que define uma área com muitas características semelhantes a um Parque Nacional, mas onde sua população original continua a morar, inclusive com suas atividades de agricultura, criação e extrativismo e mesmo caça e pesca, desde que dentro de parâmetros sustentáveis. Esse parâmetros são definidos através de estudos de impacto na flora e fauna, até a medida em que espécies de plantas e animais continuem a prosperar.

Família se diverte durante nossa visita à comunidade localizada na Reserva de Mamirauá, perto de Tefé, no Amazonas

Família se diverte durante nossa visita à comunidade localizada na Reserva de Mamirauá, perto de Tefé, no Amazonas


A Reserva do Mamirauá foi a primeira nesse novo modelo, servindo de exemplo para dezenas de outras que foram criadas desde então. A natureza e as populações locais agradecem a luta desse homem que fez uma incansável peregrinação por escritórios e auditórios, institutos e universidades, no Brasil e no exterior, para conseguir implantar sua ideia inovadora. Muita conversa com políticos e burocratas levou a criação, em 1990, da Estação Ecológica do Mamirauá que, em 1996, transformou-se na Reserva do Mamirauá. Nos anos seguintes, foi a vez de sua “irmã” mais nova e vizinha, Amanã. A fama do biólogo, de seus macacos, de seu trabalho e da Reserva ganhou fronteiras, atraindo a atenção do mundo. Em 2002, por exemplo, Mamirauá foi visitada por Peter Gabriel, Bill Gates e pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso, que foi logo cativado pelo jeito simples e brincalhão de José Ayres. Quem os viu caminhando juntos pela reserva podia jurar que eram amigos de longa data.

Visita à comunidade ribeirinha na Reserva do Mamirauá, região de Tefé, no Amazonas

Visita à comunidade ribeirinha na Reserva do Mamirauá, região de Tefé, no Amazonas


Infelizmente, como bem diz o ditado popular, a chama que brilha mais forte, brilha por menos tempo. José Ayres driblou encontros com onças durante pesquisas no Mato Grosso ou com tribos perigosas em Borneo, mas sucumbiu prematuramente de câncer, aos 49 anos, no ano de 2003. Foi um ano de muita luta, num hospital de Nova York. Daí, ele só saiu duas vezes nos últimos meses: a primeira, para receber um dos seus inúmeros prêmios internacionais, dessa vez no Japão; a segunda, para passar uma última temporada no Mamirauá, 15 dias no paraíso que havia ajudado a criar. Que sua vida e luta inspirem muitos brasileiros...

Apresentação sobre a Reserva do Mamirauá (na Pousada Uacari, perto de Tefé, no Amazonas)

Apresentação sobre a Reserva do Mamirauá (na Pousada Uacari, perto de Tefé, no Amazonas)


Dez anos após a morte de seu criador, justamente atrás de muita inspiração e aprendizado, somos nós que chegamos ao Mamirauá. Com cerca de 11 mil quilômetros quadrados, apenas 35 deles aptos para o turismo, o restante destinados à pesquisa, preservação e uso controlado pelos habitantes das comunidades locais. Nessa área encontram-se mais de 400 espécies de árvores, 35 espécies de mamíferos, 361 tipos de aves e 79 espécies de répteis, sem contar os milhares de tipos de insetos, peixes e plantas menores, um verdadeiro tesouro natural. Além disso, com diversas comunidades ribeirinhas, cerca de 5 mil pessoas que vivem em regime de sustentabilidade com a natureza, dela extraindo o seu ganha-pão, na maneira imaginada primeiramente por José Ayres.

Chegando à Pousada Uacari, nossa casa pelos próximos 5 dias na Reserva do Mamirauá, na região de Tefé, no Amazonas

Chegando à Pousada Uacari, nossa casa pelos próximos 5 dias na Reserva do Mamirauá, na região de Tefé, no Amazonas


A maneira de nós, turistas, conhecermos esse paraíso, é através da Pousada Uacari, a única na Reserva. A pousada não tem fins lucrativos e, na verdade, todos os ganhos são direcionados para benfeitorias nas comunidades locais. Em pacotes de dois (pouco!!!) cinco ou sete dias, todas as refeições incluídas, ficamos internados no coração da Reserva, preenchendo nossos dias com passeios de canoa, caminhadas em trilhas, visitas à comunidades, assistindo palestras ou simplesmente descansando nas redes de nossas varandas observando o rio e a mata à nossa frente.

Nosso guia nos leva através da floresta alagada, na Reserva do Mamirauá, região de Tefé, no Amazonas

Nosso guia nos leva através da floresta alagada, na Reserva do Mamirauá, região de Tefé, no Amazonas


Um detalhe muito importante é a época em que se vai. Mamirauá fica numa região de floresta de várzea, ou seja, fica completamente alagada nos períodos de cheia. Simplesmente, não há terra firme por perto durante quase seis meses do ano. Assim, o que costumavam ser trilhas no mês de dezembro, são caminhos de canoa no mês de julho. Para quem quer caminhar, a melhor época é o período seco. Para quem quer conhecer a floresta alagada, o melhormomento é o período de cheias, quando as águas chegam a subir incríveis 13 metros, árvores e florestas tornam-se ilhas e quando animais e insetos devem se adaptar a uma vida molhada ou na copa das árvores.

Sobrevoando o gigantesco rio Solimões na região de Tefé, no Amazonas

Sobrevoando o gigantesco rio Solimões na região de Tefé, no Amazonas


Essa última época, a de cheia, de florestas alagadas e passeios de canoa foi a nossa escolha. Para lá vamos, loucos para conhecer o famoso Uacari e vivenciar um ecossistema que cobre uma grande parte do nosso país. Voaremos para Tefé, na região do médio Solimões, onde seremos recebidos no aeroporto pelo pessoal da Pousada Uacari que nos levará para a pousada, a cerca de uma hora de distância da cidade de voadeira. É lá que nossa aventura começa, a nossa casa pelos próximos cinco dias. Assunto para os próximos posts.

Pensativo, observando a grandeza da Reserva do Mamirauá, região de Tefé, no Amazonas

Pensativo, observando a grandeza da Reserva do Mamirauá, região de Tefé, no Amazonas

Brasil, Amazonas, Mamirauá, Parque, Amazônia

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