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O Passado Mais Que Presente

Argentina, Cueva de Las Manos

Mãos esquerdas (a grande maioria) e direitas pintadas em um dos tetos da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Mãos esquerdas (a grande maioria) e direitas pintadas em um dos tetos da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Os estudiosos estão apenas começando a compreender o que as centenas de pinturas localizadas num paredão perdido de um canyon esquecido de uma remota região da patagônia argentina querem dizer. A Cueva de Las Manos é um dos mais surpreendentes sítios arqueológicos das Américas e deveria estar no roteiro de todos os viajantes que se aventuram pela região sul da Argentina.

Paredes e tetos pintados na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Paredes e tetos pintados na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Pinturas no teto da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Pinturas no teto da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Há cerca de 10 mil anos grupos indígenas começaram a ocupar essa área e deixar suas marcas em sítios da região. A Cueva de Las Manos é apenas o mais importante e conhecido desses sítios. A datação das pinturas mais antigas na pequena gruta e paredes do canyon ao seu redor é uma das indicações mais fortes de que o homem teria chegado às Américas bem antes do que diz a teoria ainda mais aceita, de que teriam entrado pelo estreito de Bering há cerca de 14 mil anos. Afinal, se já havia tribos aqui no sul da Patagônia pintando paredes há 10 mil anos, essa chegada ao continente deve ter sido bem anterior.

Algumas das mais de 800 mãos pintadas na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Algumas das mais de 800 mãos pintadas na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Painel com uma das maiores concentrações de mãos na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Painel com uma das maiores concentrações de mãos na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Como o próprio nome indica, o principal tema das pinturas do sítio arqueológico são “mãos”. Das pouco mais de 1.000 figuras, 800 são mãos e 90% delas são mãos esquerdas. A grande maioria dos desenhos é feita com a técnica chamada de “negativa”. O artista colocava sua própria mão sobre a parede ou teto e soprava sobre ela a tinta armazenada em um tubo. A parede ficava pintada, assim como a mão do artista, mas quando ela era retirada da parede, aí deixava a sua marca, uma área exatamente com a sua forma e livre de tinta. Por isso há uma quantidade bem maior de mãos esquerdas: os artistas seguravam o tubo com tinta com suas mãos direitas, pois eram destros!

Mãos no estilo negativo pintadas na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Mãos no estilo negativo pintadas na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Dezenas da mãos pintadas razão do nome dado à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Dezenas da mãos pintadas razão do nome dado à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Uma mão com seis dedos na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Uma mão com seis dedos na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Há também algumas mãos pintadas na técnica positiva, onde o artista simplesmente mergulhava sua mão na tinta e a colocava na parede. Como curiosidade, entre as 800 mãos pintadas, há uma de seis dedos, um dos pontos altos de toda visita por lá. Há também patas de animais, principalmente de choiques (as nossas emas), um dos itens principais no cardápio daquele povo.

Pinturas com mais de 8 mil anos de idade na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Pinturas com mais de 8 mil anos de idade na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Algumas das mais de 800 mãos pintadas na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Algumas das mais de 800 mãos pintadas na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Os estudiosos dizem que a pintura de mãos corresponde a uma primeira fase desse antigo povo, provavelmente a mais longa, que teria durado milhares de anos. Na próxima fase, o principal tipo de pintura era a representação de animais, aspectos de sua vida e também de caçadas. Além dos choiques, também chamados de ñandus na Argentina, a outra refeição predileta desses antigos habitantes eram os guanacos. Mas também há peixes, pássaros e tartarugas representadas nas paredes. Por fim, numa última fase, bem mais recente, as pinturas se tornaram mais abstratas, linhas, círculos e caracóis. Pelo que se sabe, pessoas habitaram o local até o ano de 1.300 da nossa era. Depois, provavelmente, o clima cada vez mais seco não sustentava a vida de grupos humanos por ali. A caverna passou a ser apenas abrigo temporário de quem passava por ali e já não mais se interessa por pinturas. Foi preciso esperar até a metade do séc. XIX para que ela fosse “redescoberta”, agora por exploradores da patagônia. E foi apenas 100 anos mais tarde, na década de 50 do século passado, que a Cueva de Las Manos começou a atrair cada vez mais estudiosos e turistas.

Muitas pinturas nos tetos da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Muitas pinturas nos tetos da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Animais pintados nas paredes da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Animais pintados nas paredes da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Animais pintados nas paredes da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Animais pintados nas paredes da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


As pinturas são policromáticas e as cores mais comuns são o vermelho e o negro. Mas há também o branco e o amarelo. As tintas eram feitas de minerais, pedra moída, vegetais e até de sangue de animais. O efeito de todas essas cores na parede é lindo e, mesmo depois de tanto tempo, elas ainda estão bem vivas. Bem difícil acreditar que algumas têm quase 10 mil anos de idade! O clima seco patagônico certamente ajudou muito na conservação. A sensação que temos é que o passado está bem presente, ali, na frente dos nossos olhos e quase ao alcance de nossas mãos.

Além das mãos, também há pinturas abstratas (mais recentes) na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Além das mãos, também há pinturas abstratas (mais recentes) na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Detalhe de pintura na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Detalhe de pintura na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Uma outra coisa que logo nos chama a atenção é a quantidade de figuras, especialmente em algumas partes do sítio. Muitas vezes elas estão interpostas, uma acima da outra. Ao longo dos milênios, os artistas foram ficando sem espaço para pintar, aparentemente. Mas a força espiritual e a magia dessas pinturas e seus rituais não poderia parar. Tudo indica que elas tinham alguma conotação religiosa. Talvez o agradecimento de alguma caçada com sucesso ou batalha vitoriosa, talvez o pedido por mais chuva na próxima estação.

Uma das raras mãos amarelas na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Uma das raras mãos amarelas na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Pinturas negras e vermelhas (as mais comuns) no estilo negativo na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Pinturas negras e vermelhas (as mais comuns) no estilo negativo na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Infelizmente, algumas “pinturas” não são assim, tão antigas. Tem apenas algumas décadas de idade. Turistas que quiseram deixar suas marcas por lá também. Mas não são tantas assim. E hoje quase toda a parede é cercada. Além disso, só se pode entrar lá acompanhado de guias e em grupos pequenos. O guia caminha conosco desde a portaria até as primeiras pinturas num trecho de 500 metros e, depois, adiante, por outros 600 metros de passarela pelo trecho onde há paredes pintadas. Ao final, voltamos todos pelo mesmo caminho.

Plataforma de madeira construída para se poder admirar e estudar as pinturas rupestres da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Plataforma de madeira construída para se poder admirar e estudar as pinturas rupestres da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


As crianças suíças que nos acompanharam na visita à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

As crianças suíças que nos acompanharam na visita à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


No nosso caso, foi um pouco diferente. Eu e a Ana fomos disparando perguntas todo o tempo, enquanto o casal de argentinos que estava no nosso grupo não parecia tão interessado. Algumas fotos no início e depois preferiam fazer as famosas selfies. Além de nós, o casal de suíços com seus filhos. Os pais sim, estavam interessados, mas tinham de dividir sua atenção com os filhos que, ainda muito jovens, pareciam se divertir mais correndo para lá e para cá. Depois que passamos pelos trechos mais interessantes, eles já queriam regressar. O guia pensou bem, creio que concluiu que eu e a Ana éramos confiáveis e deixou que continuássemos até o fim sozinhos, enquanto ele retornava com os suíços e argentinos.

Pinturas com mais de 8 mil anos de idade na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Pinturas com mais de 8 mil anos de idade na Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Admirando a paisagem ao redor da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Admirando a paisagem ao redor da Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


E assim, num golpe de sorte, depois de ter todas as explicações que queríamos, tivemos alguns momentos para desfrutar de toda aquela maravilha a sós. Se ontem de noite eram as estrelas que faziam a ligação desse mundo que desapareceu comigo, hoje era algo ainda mais palpável: essas centenas de mãos e cenas pintadas na parede, ali tão perto. Para cada uma que eu olhava, ficava imaginando o momento em que foram pintadas, o que passava na cabeça do artista, as questões e dúvidas que o afligiam, o que ele comeria no jantar, onde e como dormiria, como funcionava a sua sociedade. Enfim, se quisesse (e tivesse tempo!), poderia passar meses ali! Foram minutos mágicos!

Além das pinturas, também se pode admirar as flores no passeio à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Além das pinturas, também se pode admirar as flores no passeio à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Além das pinturas, também se pode admirar as flores no passeio à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Além das pinturas, também se pode admirar as flores no passeio à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Flores contra um céu bem argentino durante nossa visita à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Flores contra um céu bem argentino durante nossa visita à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Mas tínhamos de voltar. Além das pinturas nas paredes, a paisagem do canyon ao nosso lado era espetacular. As paredes do outro lado do vale, o oásis verde 80 metros abaixo de nós e as flores silvestres que cresciam ali do lado (viva a primavera!). Depois de tantas fotos de mãos e de figuras pintadas na parede, foi bom intercalar com fotos de paisagens, de flores e, claro, de selfies.

Uma selfie durante a visita à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Uma selfie durante a visita à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Muito felizes com a visita à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Muito felizes com a visita à Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina


Fomos voltando vagarosamente, nos detendo nos lugares com maior concentração de figuras. Por fim, encontramos nosso guia novamente. Ele queria estar conosco quando regressássemos à portaria. De lá, ainda sedados com tanta coisa que tínhamos acabado de ver, 10 mil anos de história em nossos cérebros e mentes, caminhamos de volta para a Fiona através do canyon. Pausas no rio lá em baixo e no alto das paredes, já do outro lado. Depois, pé na estrada porque algumas centenas de quilômetros nos esperavam. Não iria faltar assunto para conversar durante a longa viagem...

Visita à incrível Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Visita à incrível Cueva de Las Manos, no sul da patagônia, na Argentina

Argentina, Cueva de Las Manos, arqueologia, história, Patagônia

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Comentários (2)

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  • 19/03/2015 | 16:53 por Flora

    Olá Rodrigo, olha eu aqui outra vez. Que lugar incrível! Mais um que nunca tinha ouvido falar e que entrou pra minha listona graças ao 1000 dias. Acompanho voces aleatorianente desde que os conheci qdo passaram pela casa do Mauoscar nos USA. Voce estou lendo na sequencia desde a Antartida. Está muito bom acompanhar este final dos 1000 dias e torcer para que uma nova aventura venha logo logo... Abs

    Resposta:
    Oi Flora

    É sempre muito legal receber um comentário seu!

    Confesso que a Cueva de Las Manos também foi novidade para mim. Até pouco tempo atrás, nunca tinha ouvido falar. mais uma prova de que as atrações do nosso continente não tem fim! Ela tem de estar na listona de todos os viajantes, um dos sítios arqueológicos mais incríveis e emocionantes que conhecemos nesses 1000dias!

    Espero que vc continue a gostar dos posts nessa reta final dos relatos. Agora, falta pouco! Como vc, também torcemos por uma nova aventura, e logo! Vamos ver o que o destino nos reserva...

    Abração

  • 23/01/2015 | 20:47 por Virgilio Pereira Junior

    Gostei da reportagem.

    Resposta:
    Obrigado Virgilio

    A Cueva de Las Manos foi uma de nossas maiores (e boas!) surpresas nessa nossa viagem pela patagônia

    Um abraço

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