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Yungas, Afrobolivianos e a Coca

Bolívia, Coroico

Examinando plantação de coca em Coroico, região dos yungas, na Bolívia

Examinando plantação de coca em Coroico, região dos yungas, na Bolívia


Desde o início da colonização europeia da América do Sul, os exploradores recorreram ao uso da mão-de-obra escrava no novo continente. As primeiras vítimas foram os nativos locais, mas a partir do séc. XVII os portugueses começaram a importar escravos africanos. O tráfico negreiro tornou-se uma das indústrias mais rentáveis daquele e dos próximos séculos “justificando”, por si só, a importação de milhões de negros para o Brasil, Caribe e Estados Unidos. Mas, por algum motivo, a América espanhola ficou fora disso. Ali, ainda foi a escravidão dos indígenas a forma dominante de trabalho por todo o período colonial. Por isso, com exceção das Guianas, que tem uma história distinta, o Brasil é o único país da América do Sul que tem uma população negra relevante. Mas , há uma pequena exceção para essa regra “geral”: os afrobolivianos.

A linda paisagem ao redor da cidade de Coroico, região dos yungas, na Bolívia

A linda paisagem ao redor da cidade de Coroico, região dos yungas, na Bolívia


Com a descoberta das minas de Potosi e do “Cerro Rico”, na Bolívia, em 1544, a Espanha iniciou a exploração daquela que seria a maior fonte de riquezas do império espanhol pelos próximos dois séculos. Essa exploração não poderia ter sido feita de forma mais brutal, mão-de-obra escrava sob condições que fariam parecer o trabalho escravo em nossas plantações de cana-de açúcar uma colônia de férias. Eram turnos de 12 horas de trabalho ininterrupto, a mais de 4.500 metros de altitude, a centenas de metros da superfície, inalando gases venenosos e convivendo com explosões, semanas a fio sem ver a luz do sol. Eram poucos os que aguentavam mais de 6 meses nessas condições terríveis e estima-se que mais de 8 milhões de escravos faleceram nas minas de Potosi.

A linda paisagem ao redor da cidade de Coroico, região dos yungas, na Bolívia

A linda paisagem ao redor da cidade de Coroico, região dos yungas, na Bolívia


Com essa alta taxa de mortalidade, os donos das minas começaram a trazer escravos da África também, supostamente porque eles seriam mais resistentes. É claro que, nessas condições, também não eram! Mas, por séculos, até o fim do período colonial, foram trazidos para trabalhar e morrer na exploração de prata. Por fim, com o fim da escravidão na Bolívia, os poucos que restavam vivos puderam deixar aquele inferno e foram realocados na região dos Yungas. Esse é o nome que se dá a um tipo de vegetação de transição entre as regiões andinas e a floresta amazônica. Na Bolívia, ocorre ao norte de La Paz, na chamada descida dos Andes. A palavra vem do quéchua (a língua dos incas) e quer dizer “vale quente”. Localizada entre 1.000 e 3 mil metros de altitude, comparada com os padrões andinos, é mesmo quente e úmida, permitindo o crescimento de florestas. Hoje em dia, para os paceños, é um refresco, poder sair da capital aos 4 mil metros e buscar um clima mais ameno, a poucas horas de carro, principalmente depois da construção da nova estrada, em substituição à antiga e mortífera Carretera de la Muerte.

A igreja matriz da simpática Coroico, na região dos Yungas, na Bolívia

A igreja matriz da simpática Coroico, na região dos Yungas, na Bolívia


Pois bem, foi justamente aí que se realocaram os antigos escravos negros. Foram recebidos pela população local de índios aymarás de braços abertos. Aparentemente, a cor negra fazia muito sucesso entre eles a os dois povos se mesclaram rapidamente, dando origem ao que hoje chamamos de afrobolivianos. Para olhos desacostumados como os nossos, andar pelas ruas de Coroico, é uma experiência e tanto! Afinal, nosso cérebro não parece entender o que está vendo, cultura e fisionomias africana e andina misturadas. Por exemplo, ver uma chola de pele negra foge a todos os padrões que conhecíamos! São cerca de 25 mil afrobolivianos vivendo na região, a sua influência na música, culinária e cultura geral é bem palpável.

Em meio a uma mata, nosso hotel em Coroico, região dos yungas, na Bolívia

Em meio a uma mata, nosso hotel em Coroico, região dos yungas, na Bolívia


Falando em cultura, outro ponto marcante dos Yungas é o cultivo da coca. Essa é a principal região produtora da planta, desde tempos pré-colombianos. A folha de coca é o principal remédio para quem vive nas altas altitudes e era ela que dava sobrevida aos nativos e negros escravizados nas minas de Potosi. Na Bolívia, o cultivo e consumo de folha de coca é permitido e até incentivado (na era Evo Morales) e sua produção vem aumentando bastante nos últimos anos. Infelizmente, e todos sabemos disso, apenas uma parte é destinada a ser mascada ou para chás e balas. A outra, claro, adicionada a uma porcariada química, vira o famoso pó e se espalha pelo mundo.

Flores no jardim de nosso hotel em Coroico, região dos yungas, na Bolívia

Flores no jardim de nosso hotel em Coroico, região dos yungas, na Bolívia


Enfim, a folha de coca não tem culpa do que fizeram com ela. Quando consumida “corretamente”, ela é mesmo um santo remédio. Nós tomamos o chá, a bala e mascamos a folha, sempre nos ajudando nas alturas. Serve também para quem quer emagrecer, pois tira a fome. Imagina o sucesso que faria se pudesse ser vendida mundo afora, para a mulherada que quer perder uns quilinhos. Pois então, é ali, ao redor de Coroico, que a melhor qualidade de coca é plantada e vendida para todo o país e vizinhos andinos. Para quem quer conhecer a famosa planta mais de perto, não tem melhor lugar.

Plantação de coca em nosso hotel em Coroico, região dos yungas, na Bolívia

Plantação de coca em nosso hotel em Coroico, região dos yungas, na Bolívia


Foi o que fizemos! E nem precisamos ir muito longe. Nosso delicioso hotel, na verdade uma chácara, além do saudável café da manhã, da incrível vista para as montanhas e da horta de produtos naturais, tinha também uma pequena plantação de coca. É estranho pensar que aquela inocente e milagrosa plantinha traz tantos problemas para o mundo. Bem, não aqui! Ao contrário, faz parte da cultura e economia locais, sustentando boa parte dos agricultores. É mesmo uma pena o que fizeram com ela...

A planta da coca, tão popular no país, em Coroico, região dos yungas, na Bolívia

A planta da coca, tão popular no país, em Coroico, região dos yungas, na Bolívia


Uma pena também foi que nossa passagem por Coroico foi rápida. É um lugar para se descansar e curtir. Fazer uma trilha pela manhã e ler um livro de tarde, aproveitando o ar puro e a tranquilidade. Mas, temos uma longa estrada pela frente. Chegamos ontem de tarde, aproveitamos nossa manhã e, na hora do almoço, já estávamos partindo. Da paz para o stress. Mas ainda não sabíamos disso...

Bolívia, Coroico, história, coca

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São inúmeros precipícios ao longo da Carretera de la Muerte, estrada que desce os Andes em direção à Coroico, na Bolívia
Aos 5.300 metros de altitude, quase no topo do monte Chacaltaya, onde existia a mais alta pista de esqui do mundo, perto de La Paz, na Bolívia (viagem de Julho de 1990)
Admirando a paisagem da região do Chacaltaya, na Bolívia
Chegando à região do Chacaltaya, na Bolívia
Visitando o Valle de la Luna, em La Paz, capital da Bolívia
Caminhando na Calle Jaen, em La Paz, capital da Bolívia
Viajando na antiga linha de trem entre Bauru, no interior de São Paulo, e Corumbá, no Mato Grosso do Sul, fornteira com a Bolívia (viagem de Julho de 1990)
As ruínas de Tiahuanaco, na Bolívia
Chegando de volta à Copacabana, após caminhada na isla del Sol, na Bolívia
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